♥♥♥ Karen ♥♥♥

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

O PREÇO DE TUA ESTRADA (Zé Ricardo, sj)

O olhar denunciou suas retinas com imagens doloridas. Seus poros suspiraram tristeza de sua alma em meio a sorrisos e arte roubada em seus movimentos corporais. A jovem nao parecia confundir sua história com o desejo mais profundo de seu coraçao. Os passos receitavam o mesmo caminho de outras estradas perdidas em encruzilhadas nao discernidas, sanadas; em pedras que nao ganharam sentido nos calos que se foram incorporando aos pés, cansados de mirar o horizonte que se tornou ilusório.

Nao me creio esperto em descobrir coraçoes sangrados ou mesmo veias harmônicas passeando por todo corpo, mas a jovem se permitiu deixar entrar em sua dor que machucava e confundia seu verdadeiro querer. Sentamos em um pequeno espaço onde havia um lindo jardim. Servimo-nos um delicioso café. Nao disse nada. Entretanto, meu silêncio nao era vazio, mas cheio de uma compreensao antecipada de sua história. Por outro lado, o silêncio da jovem era pergunta e inquietude. O que dizer, como dizer, por onde começar a dizer, até onde dizer-se, eram os pensamentos que rondeavam os botoes neurais da jovem.

Um gesto foi a primeira palavra. Um sorriso sem máscaras. Um abraço com as maças do rosto. O sorriso disse milhoes de letras labiais acolhedoras. As palavras que vieram depois, entao, ganharam sentido. Lucy era uma garota com muitos pesadelos reais e muitos sonhos adormecidos. Sua partilha encontrou eco em meus ouvidos e ela se deixou penetrar pelo retorno de suas próprias palavras que as fiz minhas também. A confiança é sempre essa receptividade atenta e acolhedora da história sincera do outro, onde a fragilidade do locutor ganha força e se torna instrumento de auto-compreensao e aceitaçao de si mesmo.

Você é parte de uma locomotiva, mas com uma única diferença central para seu caminho: Você pode, com toda a impossibilidade de desgarrar-se do trem, mudar a direçao que está sendo imposto pelo vagao central. Seus olhares podem mudar o horizonte de medo e frustaçao que te ensinaram a pôr seus olhos. Se você realmente nao quer repetir o mesmo caminho que sonha teus pesadelos cotidianos, entao refaça os passos pela beira do caminho até ganhar confiança em percorrer pelo centro da estrada, pois o horizonte já nao será o mesmo, ainda que a estrada contenha os mesmos obstáculos de sempre. Você é um vagao na locomotiva e pode decidir se aceita ou nao o caminho indicado. Levantei-me, fui buscar outro café e a deixei com a fumaça da locomotiva a incensar seus pensamentos.

Voltei e Lucy estava enxugando as últimas lágrimas, que eram poeiras dos passos que havia levantado sua história. Lucy, entao, começou a dizer o caminho que a tinha conducido até hoje a locomotiva que fazia parte. E suas decisoes, na verdade, desgarravam-na da locomotiva, mas infelizmente, o caminho ia ser o mesmo, pois o horizonte continuava sendo o vazio de uma atitude rebelde; a angústia de escapar de uma dor a conduzia para uma chaga ainda maior.

Tomamos o café e Lucy sorriu desde a locomotiva, mas o vagao era distinto e ansiava outros caminhos. Somos impreterivelmente donos de nosso caminho. Somos os arquitetos de nossa estrada. Podemos, de um modo diferente, recompor as pedras que nos fizeram sofrer. Nossa história, por mais dura e cruel que seja, é a roupa interna que nos vestiram. Nossa história sao as marcas de nossos passos deixados para atrás e que podemos redimensiona-los de um modo distinto e de forma que a fragilidade de antes nos faça forte na confiança de agora, encantados com o horizonte que nos abraça e beija.

O olhar de Lucy denunciou suas retinas com imagens coloridas. Seus poros suspiraram alegria e esperança de sua alma em meio a sorrisos e arte criada em seus movimentos corporais. A jovem com confiança estava decidida a soltar o vagao sem nunca maldizer a locomotiva que a fez caminho. Mas, acima de tudo, ansiava confundir sua história com o desejo mais profundo de seu coraçao.

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